segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Problemas Matematicos - Cap. V

Desço a rua em passos largos, vejo um táxi ao fundo começo acenar com o intuito de o fazer parar. Entro e peço-lhe para parar frente a minha casa, estava relativamente perto mas decidi ir de táxi, não queria correr o risco de encontrar alguém conhecido pelo caminho pois conversar era o que menos me apetecia e como eu tenho a sorte de chamar o que não quero, antes prevenir que remediar. Pelo caminho a memória convidava-me a recostar e visualizar momentos vários em que tu aparecias sem fazer sentido, fechava os olhos e ainda era pior, para os meus botões confessava a sorte de ter uma garrafa de whisky de reserva, sempre, em caso de emergência e este era um. Entretanto cheguei, o café lá de esquina já abrira portas, comprei um maço de cigarros, normalmente não fumo, mas estas são as minhas únicas drogas capazes de me fazer ficar inconsciente e sem pensar, que é o que quero neste momento.

Abri a porta de casa, atirei tudo sei lá bem para onde, de repente, uma vontade súbita de lavar o meu corpo, de expulsar o teu cheiro, de trazer o meu de volta, corri para o banho, deixei a água a correr e olhei para o espelho, a minha alma não se calava, abri o meu coração e não sabia o que se passava com aquele sentimento. Tive raiva do reflexo que o espelho me devolvia, mandei um murro ao espelho e fui ligar música, bem alta, para me afundar nas melodias, para não ouvir nada, nem propriamente ouvir os meus pensamentos que falavam bem mais alto do que a minha voz, entrei na água a ferver mas não fugi da mesma precisava de me punir. Estranho amor que me retaliava.

Ainda foi lá a vizinha do primeiro andar bater à porta mas que se lixasse, eu tenho para mim que em todos os prédios a vizinha embirrenta é a do primeiro andar, a que sabe tudo lá no sitio, a que nos inferniza a vida, que conhece o barulho dos nossos passos a subir as escadas e que ainda por cima os sabe distinguir, que passa a vida a estender sacos de plástico à janela só para ir vendo qual o último modelo do carro que o vizinho do quarto andar comprou, a que ao teu bom dia dá logo aquele sorriso a dizer entre dentes que quando te vir pelas costas e encontrar a do segundo andar vai lhe contar umas certas coisas tuas, só dá vontade de saber os podres todos da sua vida mesquinha e confrontá-los um por um na cara parva da senhora doutora lava escadas, mas para quê se ela já vive na sua própria hipocrisia, na tristeza de uma vida que não suporta, logo vive a vida dos outros para se esquecer da sua própria.

De roupão, já com a garrafa na mão e com um cigarro na outra e gole a gole, cigarro a cigarro, lágrima a lágrima voltavas para me atormentar e adormeci contigo na ressaca.
Acordei com a cabeça a zumbir de dores mas também com um toque de telemóvel que não era o meu, o telefone fixo também tocava simultaneamente.
- Fodasse, nunca mais tenho juízo na puta da vida – Dizia enquanto procurava pelo estranho som que não conhecia deixando para o voice mail o atendimento do fixo.
Incrédulo, atendo:
- Sim …
- Boas! Já vi que somos dois que se o prédio caísse durante o sono íamos com ele também.
Não respondi e ele continuou.
- Bem, em uma tarde fiquei a saber mais de si do que uma noite inteira a ouvir os teus gemidos.
- Não sabia que era palhaço! -Apenas consegui dizer isto pois interrompeu-me continuando o monólogo.
- O seu editor ligou uma centena de vezes a perguntar pela coluna, o teu encenador perguntou porque é que não foste ao ensaio, e tens umas amigas atrevidas, hummm… E além disso ainda me roubas o telemóvel e sais sem um bilhete, sem um obrigadinho.
- Desculpe mas deve estar um pouco equivocado com a minha pessoa, o telemóvel foi pura distracção, aliás, não tinha o direito de atender o meu telefone e não tinha de lhe dar explicação alguma.
- Ah! Estás muito nervoso …
- Olha vamos mas é ao que interessa, quando te posso entregar o telefone?
- Venha cá ter a casa, não me diga que já esqueceu o caminho de volta?
- Não há volta nem meia volta, combinamos na esplanada onde nos vimos daqui a duas horas, pode ser?
- Já vi que preferes sofrer de amnésia do que de amor?
- Não me conhece de lado algum para me julgar ou para tecer qualquer comentário à minha pessoa!
- Ok! Daqui a duas horas e veja lá se não se atrasa.
- Porque senão… Esteja descansado pois eu não gosto de perder tempo e nem de fazer aos outros o que não gosto que me façam a mim.
- Quer que envie a sua candidatura para os Nobel?

E desliguei o telefone porque aquilo me estava a irritar profundamente, eu já sabia que me esqueceria de alguma coisa ou que faria alguma merda para não variar mas o que me chateava a sério era o facto de agora não poder fugir como faço sempre, agora tinha sido apanhado na teia e tinha de enfrentar o touro pelos cornos e logo eu que detesto a tauromaquia.
Bem liguei o voice mail, o meu editor fulo, o meu encenador fodidíssimo, a Paula a convidar-me para os copos e a saber se a noite tinha sido longa para me ter baldado ao ensaio, a mãe a saber se tinha jantado bem…
- Que merda…
Mas a vida continua, fui para o duche, vesti-me, abri o portátil enviei a coluna com uma nota de desculpa lá chefinho mas não me despeças, de seguida liguei para o Pedro a pedir desculpas pela falta injustificada e intolerável. Peguei no telemóvel para não me esquecer, depois andei à procura das chaves por todo o lado, lá as encontrei, olhei para o relógio ainda estava a horas e fiz-me à estrada.
Cheguei e tu ainda não davas sinais de lá estar, sentei-me e pedi um café, paguei-o logo não fosse ter de sair à pressa, a ocasião faz o ladrão já dizia o povo, e depois senti a tua mão a pousar no meu ombro, estremeci.

4 comentários:

Anónimo disse...

A água não consegue "lavar" sentimentos.

Continuação de boas postagens :D

Anónimo disse...

Meu querido André,
Confesso que já tinha saudades de ler um post tipicamente teu. Está, mais uma vez, maravilhoso. Odeio dizer isto, mas o Rui tem razão. A água não lava os sentimentos, o tempo vai compactando-os de modo a serem mais pequenos, mais passiveis de arrumação, mais suportáveis. De um dia para outro, com uma noite mal dormida, mal ressacada não desaparecem, até porque começo a achar que as coisas a frio doem muito mais - "dor pensada, é dor exacerbada!"
Fiquei muito curiosa em relação à mão que pousou no teu ombro!
Sabes que cada dia que nasce traz uma nova esperança? Cada gesto que nos é dirigido é um novo gesto e deve ser encarado dessa maneira? Há alturas em que é necessário encarar as coisas isoladas no tempo: só com presente - não há passado nem futuro.
Aprendi uma coisa muito importante nos últimos tempos e como tem tenho em grande consideração partilhá-la-ei contigo: O QUE NÃO NOS MATA, TORNA-NOS MAIS FORTES!

um beijo e um abraço apertado
Marta

Hugo Filipe Nunes disse...

é bom ler os teus posts e perceber que na nossa vida tentamos em vão lavar-nos de algo que nada mais é que nós mesmos...


abraço

Pralaya disse...

Fantástico como sempre fugimos das merdas que fazemos... enfim deve ser Karma.