terça-feira, maio 15, 2007

Nas tuas maos




Esse sorriso que carregas nas mãos àsperas pelos teus dias, que já moldaste o meu corpo como se fosse barro, lama feita pelo teu salivar de delírio que juntaste num monte de terra que escavaste com as tuas próprias mãos, já me levou muitas vezes pela espuma das brumas das várias noites que chorei, naquelas que eu tentei escapar-me do teu tocar. Eu deveria abster-me, votar em branco no destino a que essas tuas mãos me designam, deveria voltar para trás.

Se o amor pode ser um som, certamente, será o som do mar que eu escuto quando me embalas com as tuas mãos. Aquele som veloz que tu juraste que eu iria ouvir no dia que me tornasse num barco negro. E que é feito daquele fado chorado na guitarra que me prometeste para todo o sempre? Eu poderia dizer que naquele momento em que as tuas mãos me atravessavam o íntimo eu vi a verdade do amor aparecer ao meu redor, eu não mentia.

As tuas mãos são senhoras de mim, navego no teu toque ao sabor deste sentimento que me liberta apenas para a posse das tuas mãos. Agora o meu corpo é quedo e mudo, agora ele é a tua obra, oleiro, agora eu sei cada lugar das tuas mãos, agora é só já, só neste instante. O meu mundo não será jamais o mesmo depois de nas tuas mãos eu ver novas fronteiras, um novo horizonte, com elas abanaste o meu globo e apenas desdilhaste os mares. Os teus dedos apontam-me novos sonhos, uma nova epopeia, com eles descobres novas terras no meu corpo. Afagas-me os cabelos enquanto me contas histórias que sabes de cor. Talvez se fosse fácil entender eu não tinha dado o mergulho nesse oceano que acosta nas tuas mãos, se fosse perceptível ser feliz eu não teria tentado o teu toque mas as tuas mãos falam-me de amor, falam-me de saudade.

Tatua-me, a sangue, as tuas mãos no meu corpo, na minha mente, no meu espírito, na minha alma para que eu nunca esqueça o Pretérito mais-que-perfeito. Cega-me os olhos com as tuas mãos para que eu possa só ouvir a tua voz, oculta-me os sentidos. Mostra-me o amanhã nas linhas que desenham a palma das tuas mãos, mostra-me esse Futuro contigo sem o Condicional apenas com o teu Infinitivo Pessoal. Toca-me profundamente, dá-me a mão esta noite e também outra e mais outra noite até que o medo se dissolva novamente nas paredes escuras onde moram os monstros que me assolam, descalça-me os pés para eu poder caminhar na palma da tua mão e deixa-me lá viver só mais uma vez. Visualiza-me a viver nas tuas mãos, é bom, não me deixes enganar.

Vá dá-me a mão para eu não me perder mais na noite, faz uma conchinha com as duas mãos e deixa-me lá morar. Agora abre as mãos, eu vou-te dar algo para que me acredites, sim respira fundo, agora entrelaça os polegares e abre as asas, já reparaste, sim, as tuas mãos são a àguia que voa ilimitadamente alto no céu, e olha mais uma vez para as tuas mãos, afirmativo, sou eu que vou nas tuas asas a ver o despertar do sol, a sentir o toque da lua nas tuas penas. Tu tens medo? De me deixares cair? Eu confio no teu toque, no bailado que as tuas mãos daçam no meu corpo, tão lindo que me arrepia os poros.

As tuas mãos convergem a ordem natural das coisas, o equilibrio, elas esmagam todo o meu saber, são elas que apontam a tua ausência muito mais.

Eu morria nas tuas mãos, morria nas mãos que agora me negam o desejo, que me sujam o corpo, que me ocultam os sonhos, nas mãos que rasgaram todo o meu Pretérito em peças de um puzzle. Naquelas que me arrancaram o coração do peito, que o deixaram cair e partir-se em mil bocados, que o deixaram em migalhas aos pássaros que fogem no Outono. Eu só acredito no bater deste coração quando as tuas mãos que sangram a minha dor se dignar a colar todos os fraguementos que as tuas mãos deixaram ao vento.

Enquanto me esmagares com a tua ausência, eu vou perfumar as tuas mãos, e esse aroma e odor irão perdurar até tu voltares amanhã.

5 comentários:

Pralaya disse...

Ao ler senti uma segurança enorme, nas tuas mãos...
sensação estranha de ficar quieto e calmo nas tuas mãos.

Unknown disse...

Boas ...
Linda intenção ...
Gostaste da foto? É mesmo linda não é ... foi um amigo meu que tirou ... Eheheh ... Tu. Gosto mesmo dela. Olha não sei se querias alguma indicação na foto ou assim se sim diz-me. Abração, e obrigado pela tua contribuíção.

Anónimo disse...

de uma sensibilidade tocante este texto.. porreiro, é de se sentir seguro ao ler o post, longe ou perto de ti..

Anónimo disse...

Como sempre, tenho que vir chatear...! E já que estamos numa de carpir mágoas em fados, deixo-te um pequenissimo excerto de dois dos mais belos poemas portugueses chorados nas guitarras:

"Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo.

No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo."

David Mourão-Ferreira



"Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração."

Alexandre O'Neill



maravilhoso post...
Parabéns

um abraço

Pralaya disse...

A foto é linda... e não precisa de nenhuma indicação, pois já têm no canto inferior direito o nome do autor ;). Incrivel que com as tuas palavras o conjunto ficou perfeito. :)